domingo, 23 de outubro de 2011

REDES DIPLOMÁTICA E CONSULAR Havendo que poupar...

"O alargamento da União Europeia em 2004, trouxe consigo uma ilógica orgia de 7-aberturas-7, nos países bálticos, na Eslováquia, na Eslovénia, em Malta e em Chipre, que ainda mal abriram e já parece estarem a caminho da extinção. (...) Havendo que poupar há que reestruturar mas salvaguardando o melhor aproveitamento possível de meios. E nesta perspectiva, além do levantamento do que haja sub-aproveitado por esse mundo fora (que é feito do desaproveitado magnífico terreno em Berlim, que destino terá o milionário apartamento em Nova Iorque?), bastante se poderia fazer.
Tem sido um abre e fecha
como nas mercearias de bairro
As redes consulares europeias começam a aproximar-se da virtualidade, apesar dos custos nacionais, com consequências nas remessas

Chanceler Ruella Roaz Marques *

Desde que o país ficou de tanga, ao entrar no pântano, que cada governo que chega fecha um ror de postos e chama-lhe reestruturação.

Claro que Portugal não tem dimensão, interesses ou necessidades que exijam estar presente em todos os países, também será óbvio que de tempos a tempos se poderão rever as redes diplomática e consular, mas esta 3ª leva em menos de 10 anos, começa a cheirar a esturro, contrariando a ideia de que há um bloco central de interesses em política externa.

Quanto à rede consular está a desenhar-se a política "se um diz mata o outro diz esfola", nomeadamente à custa dos emigrantes.

Cesário já tinha encerrado uma mão cheia de consulados, Braga encerrou mais uns quantos - e despromoveu ainda mais -, Cesário regressa e parece querer fazer desaparecer serviços despromovidos, sem que os aprendizes de vice-cônsul, além de serem muito mais baratos, tenham dado má conta do recado (excepto aquele boy que as Necessidades enviaram para Porto Alegre) ou se veja um fio condutor. Por aquilo que se lê, as redes consulares europeias começam a aproximar-se da virtualidade, apesar dos custos nacionais que daí possam resultar, com consequências nas remessas (que chegam predominantemente do velho continente e não dos berardos), agora que a massa dos emigrantes voltou a ser interessante.

Quanto à rede diplomática vem-se desenhando um "abre e fecha" que não abona em favor dos critérios mais recentes: Abidjan abriu e fechou, Manila a mesma história, Windhoek então é um vai e vem - ora abre, ora fecha, ora volta a abrir -, Andorra, onde o lógico consulado foi objecto de um inexplicável up-grade passando a embaixada (já agora, que tal uma embaixada honorária no Mónaco?), parece estar em vias de encerramento, podendo acontecer que que com a água do banho (diplomático) deitem fora o bébé (consular).

O alargamento da União Europeia em 2004, trouxe consigo uma ilógica orgia de 7-aberturas-7, nos países bálticos, na Eslováquia, na Eslovénia, em Malta e em Chipre, que ainda mal abriram e já parece estarem a caminho da extinção.

Não é que daí venha grande mal ao mundo, mas deveria ter havido mais reflexão e consenso antes de se dar esta imagem de que as representações abrem e fecham como mercearias de bairro do pingo doce.

Claro que havendo que poupar há que reestruturar mas salvaguardando o melhor aproveitamento possível de meios. E nesta perspectiva, além do levantamento do que haja sub-aproveitado por esse mundo fora (que é feito do desaproveitado magnífico terreno em Berlim, que destino terá o milionário apartamento em Nova Iorque?), bastante se poderia fazer:
  1. Portugal tem consulados-gerais em 6 capitais ao lado das respectivas embaixadas - Caracas, Londres, Luxemburgo, Luanda, Maputo e Paris - que poderiam passar a secções consulares das ditas, algumas que fossem.
  2. Portugal tem ainda consulados-gerais em cidades com missões multilaterais - Estrasburgo, Genebra, Nova Iorque - que poderiam levar semelhante caminho.
  3. Portugal tem ainda mais do que uma representação diplomática em diversas cidades, onde se poderia aplicar o que já está em curso em Bruxelas, com a embaixada a acolher-se à REPER, a saber Paris, Viena e Roma, na certeza de que o Vaticano seria o último a não compreender que a sumptuosa representação junto da Santa Sé, seja franciscanamente encerrada para poupar a favor dos mais atingidos pela crise.
  4. Continua a não se entender que se pense em encerrar serviços consulares cujos vizinhos estão a centenas de quilómetros, mas nunca mais se tenha falado da proposta inicial de Braga, que previa os encerramentos de New Bedford, Providence e Nova Iorque, apenas a dezenas de Boston e Newark.
  5. E já agora, porque se mantém a secção consular em Pretória com instalações próprias, podendo rentabilizar a generosidade das da embaixada, ou alternativamente recorrer a Joanesburgo, a menos de 100 quilómetros?
* Auditor externo

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

CARTA DO CANADÁ Ser ilegal num país

"O consulado de Portugal em Toronto tratou da burocracia usual em casos destes, mas logo fez saber que não dispunha de verba para prestar qualquer apoio. A Secretaria de Estado das Comunidades também lavou as mãos como Pilatos. Abandonado em vida por ser ilegal, o Tiago viu-se abandonado depois de morrer pelas ditas autoridades da Pátria. Mas não o foi pela sua terra, por Tomar, que se mobilizou em peso para pagar o seu regresso a casa. O Tiago repousa agora em terra portuguesa, na sua cidade, porque o povo mostrou de forma clara que sabe actuar quando é preciso."
Carta de navegação

(em memória do Tiago Lopes Ferreira)

Fernnanda Leitão *

Não sei de nada mais triste do que morrer sozinho longe da Pátria. Não sei de nada mais trágico do que pais perderem um filho. E foi isto que aconteceu em Toronto neste Setembro que vai soalheiro e macio: o Tiago apareceu morto, na casa onde estava instalado. Estava morto há dois dias e ninguém deu pela sua falta. A autópsia revelou um choque diabético, ou mais claramente, insuficiência de insulina. Não teve dinheiro para comprar o medicamento obrigatório na sua condição física. Tinha sido despedido do café onde, durante a noite, trabalhava para um patrão daqueles que têm um cifrão em cada olho, com abundantes provas dadas. Tinha chegado ao Canadá em Abril deste ano de 2011, como turista, a tentar refazer a sua vida, a exemplo de milhares de jovens como ele, a quem Portugal não dá senão desemprego e uma total falta de confiança nos que têm (des)governado a ponto de serem já estrangeiros quem manda em terra lusa. Jovens que têm rumado massivamente em direção ao Canadá, Estados Unidos da América, Japão, Austrália, Nova Zelândia. Jovens com quem o país gastou fortunas para os educar e instruir, agora em vias de enriquecerem os países estrangeiros graças à miopia política que está a desgraçar Portugal e a União Europeia.

O grito de dor soltado pelos pais e irmã, perdidos de sofrimento e de não saberem como lidar com uma situação destas, chegou-me num e-mail mandado por uma grande, dedicada e incansável amiga da família, a Alice Marques. O consulado de Portugal em Toronto tratou da burocracia usual em casos destes, mas logo fez saber que não dispunha de verba para prestar qualquer apoio. A Secretaria de Estado das Comunidades também lavou as mãos como Pilatos.

Abandonado em vida por ser ilegal, o Tiago viu-se abandonado depois de morrer pelas ditas autoridades da Pátria. Mas não o foi pela sua terra, por Tomar, que se mobilizou em peso para pagar o seu regresso a casa. O Tiago repousa agora em terra portuguesa, na sua cidade, porque o povo mostrou de forma clara que sabe actuar quando é preciso. E que é ele quem, em Portugal, tem vergonha na cara.

Os jornalistas e os médicos são em geral tidos por durões e cínicos, habituados que estão a enfrentar os sofrimentos do mundo. Mas é só aparência. Por isso venho honrar a memória do meu compatriota Tiago, que infelizmente não conheci, deixando esta carta de navegar aos jovens tentados a fazer a sua vida no estrangeiro.

Ser ilegal num país é ser extremamente vulnerável. Pode ser denunciado por um qualquer filho da mãe. Pode ser explorado por empresários sem escrúpulos nem coração, dos que não se ensaiam nada para lhe pagar menos do que a lei do país exige. Sujeita-se aos trabalhos mais duros e servis. Não tem direito a assistência médica e medicamentosa. É um clandestino até que apareça uma alma caridosa que lhe faça um contrato de trabalho e assim lhe proporcione requerer o estatuto de imigranre residente. Até chegar aí, sofre muito. E sem se poder queixar. E sem saber se são de facto amigos os parceiros que encontra.

O Canadá é um país bom,generoso, civilizado, mas as suas leis de Imigração são severas e a fiscalização intensa. É de grande rigor com as suas fronteiras, cioso da sua soberania, o que provavelmente causará estranheza a quem cresceu já no espaço Schengen. O Canadá tem um Acordo de Comércio Livre com os Estados Unidos e o México,mas nenhum destes países escancarou as fronteiras. Manda cada um na sua casa. Por isso é melhor que quem quer rumar a este país se dirija à Embaixada do Canadá para saber se estão a receber determinadas profissões. A ser assim, trata de tudo e entra legal no país. Mas se nada disto for possível e o jovem quer entrar como turista e tentar a sua sorte, então tenha a prudência de: saber junto da sua paróquia quais são as igrejas portuguesas da zona para onde vai, porque aí não é denunciado; procurar obter nomes e moradas de pessoas da sua terra que vivam no Canadá; fazer um seguro de saúde antes de embarcar; partir do salutar princípio que parceiros são parceiros,não são ainda amigos, e portanto não entre em confidências; se sofre de alguma doença em especial faça-o saber. E forre-se de paciência, de coragem, procurando incansavelmente quem possa fazer o contrato de trabalho. Boa sorte. Deus o acompanhe.

E agora, Tiago, menino da tua Mãe, dorme em paz na tua terra, na Pátria que alguns transformaram em madrasta.