quarta-feira, 9 de março de 2011

Alemanha. Possivelmente, uma "derrota histórica"...

Merkel perde eleições “apesar” ou “por causa” da política anti-europeia?
Uma riqueza que não explica

 Eleições do final do mês no Baden-Württenberg vão ser decisivas

Wolfgang Silva von Weizsäcker *

Analistas e comunicação social vêm assumindo que Merkel tem contrariado a adoção das medidas que a defesa do euro e da Europa (e de Portugal, claro) exigem, para assim se defender internamente - perante o parceiro da coligação no governo, face à opinião pública e devido às eleições estaduais que precisa de ganhar.

Esta ladainha, confrontada com os factos, coloca algumas interrogações:
  • O partido liberal, que em 2009 teve um êxito eleitoral sem precedentes, tem vindo a descer vertiginosamente nas eleições para os parlamentos e nas sondagens, o que significa que a postura anti-europeia de nada lhes vale;
  • Também a democracia-cristã de Merkel tem vindo a perder, quer nas urnas - Renânia do Norte-Vestefália e Hamburgo - quer nos barómetros, sendo mesmo possível que no fim do mês seja derrotado no Baden-Württenberg, o que consubstanciaria uma derrota ... histórica, como diria Sócrates;
  • Os partidos da oposição, apesar da sua postura bem mais pró-europeia, têm sido beneficiados pelo eleitorado, o que permite a interpretação de que a famigerada "opinião pública" - o bild pró-Guttemberg... - o não representa;
Aliás, a pujança da economia alemã deveria, em princípio, beneficiar o governo, mas tal não se verifica.

Provavelmente terá de se pôr a hipótese de Merkel perder as eleições pelas mesmas razões pelas quais se opõe a uma política europeia consentânea com as necessidades dos países mais pobres: lá, como cá. Merkel defende uma política que torna os ricos mais ricos e os pobres mais pobres, sendo que os eleitores alemães não entendem porque lhes aplicam medidas de austeridade quando a riqueza está a aumentar.

* Politólogo luso-alemão

CARTA DO CANADÁ Só agora se começa...

"Nos bairros onde vivem os portugueses, que são mais de 200 mil na área da Grande Toronto (sendo 600 mil em todo o país), o Mercado da Saudade é um facto. É ali que a gente lusa se vai abastecer de tudo quanto lhe enche a mesa e a alma..."
Vai indo

Muito da diplomacia económica avalia-se nos supermercados

Fernanda Leitão

País enorme, o segundo maior depois da China, onde vivem milhões de pessoas oriundas de 160 países, o Canadá é uma terra de intenso e próspero comércio. Que, como se calcula, tem de ser criativo e de qualidade, servido por profissionais simpáticos, porque a concorrência é feroz. Fazer compras é, para o canadiano, um desporto agradável.

Vou hoje dizer-vos do chamado comércio étnico, aquele que é praticado pelas várias comunidades imigrantes, sobretudo na área da restauração e da indústria alimentar. Os imigrantes têm tendência a viverem perto uns dos outros e assim se foram criando na cidade bairros de portugueses, sul americanos, italianos, gregos, chineses, indianos, de gente do leste europeu e dos balcãs, do Médio Oriente, de filipinos e por ai fora. Bairros com as suas lojas, mercados, restaurantes, cafés, padarias, cinemas e escolas, igrejas e templos. Em todos eles moram, por gosto ou porque têm ali perto o seu trabalho, pessoas doutras origens. Assim sendo, uma pessoa pode, em cada dia que passa, provar a cozinha dos mais variados países. E, às vezes, que cozinha! Este é um dos encantos de Toronto que todos os anos, no verão, atrai à cidade milhões de turistas dos Estados Unidos que vêm assistir ao esplêndido cortejo das Caraíbas e à garantida rebalderia da Parada Gay. O que faz as delícias do município e do comércio, porque o dinheiro corre em regato caudaloso.

Nos bairros onde vivem os portugueses, que são mais de 200 mil na área da Grande Toronto (sendo 600 mil em todo o país), o Mercado da Saudade é um facto. É ali que a gente lusa se vai abastecer de tudo quanto lhe enche a mesa e a alma: desde o azeite até ao arroz carolino, passando pelas carnes fumadas e o peixe, a doçaria e a couve portuguesa para o bacalhau do Natal, e até, na entrada do verão, os manjericos. Há de tudo e com fartura. É um negócio próspero. Os vinhos, esses só os podem comprar nas lojas do estado, em determinado horário, porque anda vigora a Lei Seca do tempo do Al Capone. E há, por vezes, mistérios. Um deles foi o Cerelac nunca mais ter aparecido e nós não sabermos porquê.

Pôr produtos portugueses à venda nas grandes superfícies canadianas, isso é que tem sido mais complicado. Os italianos e os gregos vendem grandes carregamentos de azeite, queijos e castanhas, enquanto nós não o fazemos. O mesmo se passa com grandes marcas de vinhos portugueses.

Enorme foi a minha surpresa, comovida surpresa, quando há anos encontrei, num supercado canadiano, a pera rocha. Passei uma semana regalada a matar saudades dessas peras, mas depois nunca mais as vi. Até já me lembrei de pedir à minha (virtual) amiga Sandra Geada, que no Oeste trabalha na expansão desse fruto, que arranje maneira de umas toneladas virem para Toronto anualmente. Calhando, é preciso meter cunha, à portuguesa. Recentemente, num dos maiores supermercados canadianos, passaram a ser vendidos a água do Luso, a água das Pedras, os papo-secos e o pão de milho. É pouco, mas é um começo.

Não sei se este meio abandono se deve apenas ao facto de Portugal estar completamente focado na União Europeia, se as razões serão outras. Enfim, a venda de produtos portugueses por estas paragens vai indo.

Devagar, mas vai indo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

COM A DEVIDA VÉNIA Crise e oportunidade

"Esta Europa de discurso duplo e duplicidade de actuação – para salvaguarda dos seus próprios interesses económicos e de segurança – conseguirá restaurar o seu prestígio e a confiança dos países vizinhos do Mediterrâneo do Sul, salvo se apoiar, de forma inequívoca, a transição democrática desses países, se perder o medo ao islamismo, se reforçar a cooperação económica, e se incrementar os seus contactos com a sociedade civil destes países e com os respectivos actores políticos emergentes"

O Mediterrâneo, de novo

no centro do mundo
A revolução de “jasmim” dos jovens árabe-muçulmanos
parece demonstrar que a democracia é, de facto, um valor universal, compatível com a crença no Islão


Maria Regina Flor e Almeida *

As revoltas no mundo árabe, a que temos vindo a assistir, estão neste momento a reclamar a centralidade do Mediterrâneo, contra o movimento de deslocação do centro de gravidade da política mundial para a Ásia, conforme vinha sendo observado e proclamado desde o início do presente século XXI.


Se é certo que esta deslocação do centro de gravidade da política mundial para a Ásia em muito se deve ao rápido e pujante crescimento económico da China e da Índia - por isso mesmo consideradas potências emergentes -, o que ratifica a centralidade do factor económico na política internacional e na dinâmica da comunidade mundial, também é certo que a atenção que, de súbito, requer a região do Mediterrâneo, graças às revoluções de “jasmim” que ali se desencadearam, sobreleva de um factor eminentemente político e social, que põe em risco a segurança e a estabilidade, não apenas da região em si, mas, também, das regiões vizinhas, num arco de círculo que se estende desde o Atlântico ao Pacífico.

E está ainda por ver até que ponto o efeito de contágio destas revoluções da sociedade civil e dos jovens dos países árabes já afectados – Tunísia, Egipto, Líbia, Argélia, Marrocos, Yémen, Jordânia, Síria, Bahrein – não servirá de rastilho para outros países (em que já pontua o Irão), igualmente detentores de regimes autocráticos e avassalados pela desesperança dos jovens, e para outros países mais afastados, mas, mesmo assim, interligados neste mundo global em que vivemos.

A pobreza, a corrupção da classe política, o imobilismo político e a falta de democracia, lançaram para a rua milhares de jovens que vêm protagonizando a mais vasta manifestação da sociedade civil da geografia planetária, mas que tem afectado, sobretudo, as regiões do Magrebe, do Macherreque e do Médio Oriente, com risco de se propagar a outras regiões.

Mas um outro dado que ressalta deste movimento é o próprio imobilismo da Europa, que, mergulhada na sua própria crise institucional, política e financeira, e temerosa pela ameaça da Jihad islâmica, não consegue reagir, atempadamente e de forma coerente com os valores que defende, perante a súbita mudança dos regimes árabes vizinhos e o clamor da juventude dos países afectados por fortes assimetrias e por governos que não respondem às suas exigências democráticas e económicas.

Sendo embora evidente que nenhum país observador conseguiu dar conta do que se gestava, aparentemente de forma silenciosa, no seio dessa população juvenil, é bem verdade que, mesmo depois de a revolta eclodir, a União Europeia não conseguiu acertar o passo entre os seus membros, nem adoptar uma atitude pró-activa a favor das legítimas expectativas das sociedades afectadas. Reagiu tarde, de forma confusa e receosa, e, mesmo assim, parece tê-lo feito sob o chapéu da iniciativa norte-americana que, quebrado o espanto inicial, conseguiu responder com alguma contundência e oportunidade, ao exigir o fim da violência dos regimes contestados, a urgente retirada desses governos e uma rápida transição política para a democracia.

A duras penas, esta Europa de discurso duplo e duplicidade de actuação – para salvaguarda dos seus próprios interesses económicos e de segurança – conseguirá restaurar o seu prestígio e a confiança dos países vizinhos do Mediterrâneo do Sul, salvo se apoiar, de forma inequívoca, a transição democrática desses países, se perder o medo ao islamismo, se reforçar a cooperação económica, e se incrementar os seus contactos com a sociedade civil destes países e com os respectivos actores políticos emergentes.

O tempo é de incerteza, pois não se sabe o caminho que estas revoluções de “jasmim” irão adoptar no futuro; e é de incerteza, também, porque se desconhece, ainda, qual a amplitude destes movimentos de protesto e revolta, não sendo de estranhar a sua eclosão noutros pontos do globo, tornando mais frágeis os laços de muitos países terceiros com a Europa e mais instável o ambiente de paz e segurança mundial. São muitos os países do Terceiro Mundo, cujos regimes autocráticos se forjaram à sombra das potências coloniais europeias e persistiram graças a essa duplicidade europeia, e também norte-americana, que poderão ver-se abalados por esta nova onda de protestos que ameaça irromper onde quer que exista uma grande massa de população juvenil descriminada, tanto política, como economicamente. E estou a lembrar-me, por exemplo, de muitos países africanos e de alguns países asiáticos, o que dará novos contornos fronteiriços às zonas de turbulência, por um lado, e às zonas em vias de democratização, por outro, mesmo em regiões onde a fronteira com o Ocidente era traçada pela religião.

Algumas certezas parecem-nos agora inabaláveis. A primeira, prende-se com o paradigma da religião islâmica contrária à democracia. A revolução de “jasmim” dos jovens árabe-muçulmanos parece demonstrar que a democracia é, de facto, um valor universal, compatível com a crença no Islão, ditada pelo Corão.

A segunda, diz respeito ao papel da política no seio das sociedades, mesmo as mais deterioradas em termos de liberdades e de direitos humanos. Et pour cause!...


Outra certeza prende-se com a posição da Europa no mundo e com o progressivo esbatimento de um papel político central, quando também está em risco de perder o seu lugar de “gigante económico” mundial, por falta de reacção, de unidade, de renovação e de inovação. Embora situada numa região charneira do mundo, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, com ramificações para outras zonas estratégicas do globo, a Europa terá cedido o seu lugar, vendo afastar-se, mais ainda, a hipótese de recuperar o seu antigo prestígio internacional e de alcançar o ambicionado papel de “global player”.

No entanto, esta repentina crise às portas da Europa, que voltou a fazer convergir todas as atenções no Mediterrâneo, pode constituir uma janela de oportunidade se, rapidamente, as principais potências ocidentais – a UE e os EUA, principalmente – se coligarem, não para destituírem, pela guerra, um ditador alegadamente detentor de armas de destruição maciça, como no Iraque, ou para, através da guerra, capturarem um terrorista islâmico, como Bin Laden, mas para ajudar as sociedades mais vulneráveis e a sua juventude que pretendem ver-se livres do jugo de regimes ditatoriais e corruptos, e de estereótipos das democracias ocidentais.

Esta pode ser, também, uma janela de oportunidade para que a Europa e os EUA se concertem para contribuir, de facto, na criação de zonas de estabilidade e de desenvolvimento, nomeadamente, nas regiões da sua vizinhança próxima, como sejam o Atlântico e o Mediterrâneo.


Lisboa, 02.03.2011

Diplomata, doutora em relações internacionais